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Josephine Baker: de dançarina a espiã honorária

Estrela dos palcos e das telas, membro da Resistência francesa, ativista dos direitos civis, mãe de doze filhos, Josephine Baker desempenhou muitos papéis durante uma longa carreira que abrangeu dois continentes, a Segunda Guerra Mundial e uma série de transformações sociais.

Uma infância conturbada

Josephine Baker, ou melhor, Freda Josephine McDonald, nasceu em 3 de junho de 1906 nos subúrbios de St. Louis, no estado do Missouri, nos EUA. Sua mãe, Carrie, que queria ser dançarina, trabalhava como lavadeira. Enquanto o passado de seu pai é desconhecido, algumas fontes afirmam ter sido o baterista Eddie Carso. A família Baker era tão pobre que Josephine teve que trabalhar como empregada doméstica para famílias brancas abastadas a partir dos oito anos de idade.

Em 1918, aos 13 anos, ela abandonou a escola e começou a trabalhar como garçonete, onde conheceu seu primeiro marido, Willie Wells, com quem se casou no mesmo ano. O casamento durou menos de um ano. Após o divórcio, ela se juntou à Jones Family Band, um grupo de arte de rua, ganhando rapidamente fama por suas habilidades na dança. O grupo estava em turnê pela Filadélfia quando Josephine conheceu o trabalhador ferroviário Willie Baker, com quem se casou pela segunda vez em 1921, aos 15 anos de idade.

Divórcio, Broadway e Paris

Embora seu segundo casamento tenha durado quatro anos e tenha tido um pouco mais de sucesso que o primeiro, Josephine acabou por se divorciar, mantendo o nome Baker. Aos 16 anos, a ousada jovem dançarina deixou sua casa e o ex-marido para tentar a sorte em Nova York, trabalhando como costureira na Broadway. Observando dos bastidores, ela aprendeu todas as coreografias da famosa performance “Shuffle Along” e estava disposta a substituir qualquer um dos dançarinos se o momento surgisse.

Por acaso, um dos artistas adoeceu e Baker teve finalmente a sua chance. Seus traços distintos e movimentos diferenciados a tornaram instantaneamente uma estrela. A jovem dançarina chamou a atenção de Caroline Dudley Reagan, esposa de um empresário americano em Paris, que ofereceu a Baker um salário semanal de US$ 250 - o dobro do que ela recebia na Broadway - para atuar em sua próxima produção “La Revue Nègre” na França.

J'ai deux amours

Baker pisou pela primeira vez na França em 22 de setembro de 1925, no porto de Cherbourg, aos 19 anos. Pouco mais de uma semana depois, ela estava no palco do prestigioso Théâtre des Champs-Élysées em Paris para a estréia da La Revue Nègre. Vestida apenas com uma saia emplumada, a jovem americana performou uma coreografia que hipnotizou o público. A dança selvagem, que se conformou aos estereótipos coloniais, capturou a imaginação dos homens brancos e revolucionou a cena musical da capital durante os Années Folles (Anos Loucos). Quase da noite para o dia, a adolescente americana se tornou uma estrela de Paris e uma das favoritas da elite artística e intelectual.

Baker começou a se apresentar em países europeus, tornando-se uma dos artistas com maior salário do continente. Apenas dois anos depois de se estabelecer na França, ela passou a ter o seu próprio show no famoso salão de dança Folies Bergère, atuando com a icônica saia de banana. Ela aprendeu francês, teve aulas de canto, e estrelou em três filmes. Em 1931, ela fez seu nome como cantora com seu hit icônico “J'ai deux amours” (Eu tenho dois amores), no qual ela canta de seu coração dilacerado entre a França e os Estados Unidos.

O amargo sonho americano e a resistência francesa

Cinco anos depois, Josephine cruzou o Atlântico novamente na esperança de repetir o sucesso que vinha tendo na Europa, mas seu desempenho na Broadway lhe rendeu críticas mistas, tingidas de preconceito racial. Devastada, ela voltou à França, mas desta vez decidiu estabelecer-se permanentemente em sua nova pátria. Em 1937, Baker se casou com o empresário local Jean Lion e se tornou cidadã francesa.

Quando a França declarou guerra à Alemanha nazista em setembro de 1939, Baker não se isentou. "A França fez de mim o que sou", disse ela. "Os parisienses me deram seus corações e eu estou pronto para lhes dar a minha vida", afirmou fervorosamente. Josephine entrou para a Resistência Francesa e se tornou uma espiã, usando seu encanto e fama para coletar informações. Comprometida com o General Charles de Gaulle, ela foi nomeada segunda tenente da Força Aérea. Em reconhecimento a seus serviços, ela recebeu a Legião de Honra e a Croix de Guerre, as mais altas condecorações civis e militares da França, assim como a Medalha da Resistência Francesa.

Uma luta pessoal

Após a guerra, Baker empreendeu uma luta mais pessoal, retornando à sua pátria para se juntar ao movimento de direitos civis. Em 1951, quando impedida de consumir no famoso clube Stork de Nova York, a atriz Grace Kelly, que também estava no estabelecimento naquela noite, indignada com a afronta racista, deixou o estabelecimento junto com Baker em solidariedade à artista. Foi o início de uma amizade que durou até a morte de Josephine. Baker respondeu ao incidente recusando-se a atuar em locais racialmente segregados. Os ataques da mídia com relação à bailarina quase causaram a revogação do sua permissão de trabalho pelo Departamento de Estado.

Uma década depois, Baker retornou aos Estados Unidos e participou da famosa marcha em Washington organizada pelo Dr. Martin Luther King em agosto de 1963. Como última oradora antes do Dr. King, vestida com um uniforme da Força Aérea francesa, ela fez um discurso inflamado sobre as liberdades de que desfrutava na França.

Mãe da tribo arco-íris

A cantora sonhava em ter muitos filhos, mas uma infecção grave durante a guerra a obrigou a se submeter a uma histerectomia. Com seu quarto marido, Jo Bouillon, um proeminente maestro de orquestra com quem se casou em 1947, Baker decidiu adotar 12 filhos de diferentes países, a quem chamou de Tribo Arco-Íris. Ela se instalou com eles no Château des Milandes, no Périgord.

No entanto, seu estilo de vida luxuoso a levou à beira da falência. Os credores começaram pedir seu castelo como pagamento de dívidas, e a própria Baker começou a precisar desesperadamente de ajuda. Comovida com a situação, Brigitte Bardot, no auge de sua fama na época, fez um apelo televisivo aos franceses para que se juntassem em prol da artista. Apesar desses esforços, em 1969, Josephine foi expulsa de seu castelo. Entretanto, ela pôde contar com a ajuda de sua amiga Grace Kelly, então Princesa de Mônaco, que doou uma mansão à beira-mar em Roquebrune, na Riviera Francesa, para Baker.

Retorno ao palco e morte

Em 1973, Josephine se envolveu com o americano Robert Brady e começou seu retorno aos palcos. Em 1975, a apresentação da Baker no Carnegie Hall em Nova York foi um grande sucesso. Em abril, ela fez uma aparição no Teatro Bobino em Paris, a primeira de uma série planejada para comemorar os 50 anos de sua estreia na Cidade Luz. Mas dois dias depois desta apresentação, em 12 de abril de 1975, Josephine morreu, vítima de um derrame, aos 68 anos de idade.

No dia de seu funeral, mais de 20.000 pessoas saíram às ruas de Paris para dar um último adeus à ilustre artista. O governo francês honrou seu serviço com uma saudação de 21 tiros, fazendo dela a primeira mulher americana a ser enterrada na França com honras militares. Em 30 de novembro de 2021, Josephine Baker foi a primeira mulher negra da história, e sexta no total, a ter seus restos mortais transferidos para o Panthéon, em Paris.

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